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O novo papel da China que poderá levar a uma nova ordem internacional multipolar



OPINIÃO

À medida que a sua economia se fortifica, a China desempenha um papel cada vez mais influente na Ordem Internacional. Apostando principalmente no seu soft power através de iniciativas como a “Belt and Road Iniciative” (BRI) e o estreitamento de laços internacionais como o BRICS, a potência asiática estabelece-se como principal rival dos Estados Unidos da América (EUA) naquele que poderá vir a ser um mundo multipolar onde ninguém se consegue estabelecer como potência hegemónica.
A BRI é um projeto que visa criar uma vasta rede de caminhos de ferro, condutas energéticas, autoestradas e simplificações de passagem de fronteiras quer para Oeste quer para Sul. Este plano, como seria de esperar, incomoda os EUA, já que opera como impulsionador da moeda chinesa e alarga a sua esfera de influência. Porém, a administração Biden ainda não se demonstrou à altura desenvolver uma proposta económica que seja mais atrativa para os países envolvidos. Temos um cenário em que cada vez mais se olha para a China como um líder mais proveitoso a vários níveis, o que faz com que o ponto central da economia internacional se esteja a transferir para a Ásia. Muitos analistas enaltecem o sistema chinês, como é o caso de Henry Heller, professor de História na Universidade de Manitoba no Canadá, que afirma que esta emergência chinesa se deve a um amadurecimento da sua forma distinta de socialismo, algo que não passa de um eufemismo na classificação de um regime que apresenta claramente traços autoritários e cuja economia se centra em bases fundamentalmente capitalistas. Porém, uma coisa é certa, a sua abordagem aos assuntos exteriores tem sido mais perspicaz que a dos seus rivais ocidentais, o que se tem confirmado com o papel da China na resolução de conflitos, principalmente no Médio Oriente. Num momento em que as relações entre Washington e Riade se encontram mais frágeis que nuca, os chineses foram os responsáveis pelo restabelecimento das ligações diplomáticas entre a Arábia Saudita e o Irão (dois dos seus principais exportadores de petróleo), as quais se encontravam cortadas há cerca de sete anos, marcando assim um ponto de viragem em termos de influências externas na zona do Golfo Pérsico. Este acordo é de extrema importância e um passo enorme rumo à estabilidade da região: Os dois países reabrirão embaixadas, defenderão o cessar-fogo de abril de 2022 no Iémen, começando a trabalhar num plano que viabilize o fim a guerra civil no país, o Irão deixará de fornecer armas a rebeldes e vai ter ligações mais próximas com os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). Ao invés de promover conflitos intermináveis que resultam em banhos de sangue e que em nada têm contribuído para a consolidação e modernização do território, a China tem apostado na negociação e cooperação entre os países, algo de enaltecer, ainda que se abomine o seu sistema interno. Esta postura tem ganho popularidade, e países problemáticos começam a ver na China um líder do qual podem tirar mais partido a nível político e económico.

Os EUA, desde a II Guerra Mundial tem marcado presença em longos e dispendiosos conflitos (Vietname, Iraque e Afeganistão, por exemplo) e, analisando factos como a presença excessiva de fornecedores de equipamento bélico (mais do dobro dos soldados americanos em alguns conflitos), leva-me a crer que a postura americana em alimentar guerras no Médio Oriente, ao invés de as negociar, é motivada por influências de grandes companhias, que fazem das guerras um negócio extremamente lucrativo, e não apenas pelos interesses do Estado americano. Ainda que algumas intervenções, principalmente as específicas e de curta duração, tenham servido os princípios democráticos e dos EUA, está à vista que esta posição baseada na força pode ter sido um tiro no pé. Isto porque Pequim aproveitou a oportunidade de oferecer paz à região e ganhou a confiança destes países, tendo já na mira os seus objetivos geopolíticos, que passam, como referi anteriormente, pelo fortalecimento do Yuan e alargamento do seu soft power. Tal influência já se verifica nos países do Golfo, onde a tecnologia chinesa tem sido aplicada em larga escala e o petróleo vindo da Arábia Saudita começou a ser adquirido na sua moeda, deixando de ser exclusivamente em dólares americanos, o que leva a uma ainda mais feroz rivalidade na economia internacional.

Pode-se resumir esta presença chinesa no Médio Oriente em três etapas de cooperação: A primeira e mais importante é a cooperação energética, a segunda que passa pela criação de infraestruturas e facilitação do comércio e investimento e, por fim, a terceira aborda assuntos como a energia nuclear, os satélites espaciais e as chamadas novas energias.

A República Popular da China (RPC) também apresentou recentemente um plano de paz para o conflito na Ucrânia, algo que não passou de uma mera declaração de intenções por parte dos chineses, que se querem estabelecer como mediadores de conflitos internacionais, já que a resolução em si é ambígua e já era sabido de antemão que seria dificilmente aceite pelos ucranianos e pelo Ocidente.

É também conhecido que a RPC tem intenções de reformular a ordem do Direito Internacional através da especialização do tema no seu país, da aplicação de um Estado de Direito relacionado com a política externa, do estabelecimento de normas internacionais em áreas chave, da cooperação judicial internacional e da criação de mecanismos eficientes para resolver disputas internacionais. Isto torna ainda mais claro o papel que a China quer assumir no Sistema Internacional, e claramente não é o de potência secundária.

Em tempos que a cooperação EUA-China é fundamental para a paz mundial, a China está a dar um exemplo (em termos diplomáticos) que poderia ter sido seguido pelos EUA de forma a garantir um equilíbrio geopolítico e a cimentar a sua hegemonia. Assistiremos a uma mudança no Sistema Internacional? Há grandes hipóteses, porém resta-nos esperar pela retaliação dos EUA, que mesmo tendo ainda o estatuto de superpotência tem uma difícil tarefa em mãos.

Gonçalo Folgado Nabeiro

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