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O "Ferrinhos" já partiu

Francisco Semião (Ferrinhos): o segundo, de pé, da direita para a esquerda
Francisco Semião, conhecido como o "Ferrinhos", com 94 anos de idade, faleceu ontem, dia 5 de Outubro. O Ferrinhos foi uma das velhas glórias do Sporting Clube Campomaiorense, onde alinhou desde os anos 30 até ao início dos anos 50. No livro "Sporting Clube Campomaiorense, Das Origens à Actualidade - 1926-2001", da autoria de Francisco Galego e Joaquim Folgado, publicado por ocasião dos 75 anos do clube, foi publicada uma entrevista com o Ferrinhos, como um dos "ases dos outros tempos", que ajudaram a construir a história deste clube. Por esse motivo aqui transcrevemos a entrevista então publicada.

Chama-se Francisco Rodrigues Monforte Semião, mas no futebol e na vida todos o conhecem como o “Ferrinhos”, alcunha que herdou do pai e do avô. Nasceu em 28 de Fevereiro de 1919 e, desde então até agora, sempre viveu em Campo Maior. Praticou futebol como amador, dos 19 aos 34 anos de idade, ou seja, de 1938 a 1953, sempre com a camisola do Campomaiorense. Apesar de um treinador – o Mortágua – ter querido levá-lo a ele, ao Nanita e ao Fernando Pardal para o Vila Real de Santo António quando este estava na primeira divisão. Mas não quis ir para lá sozinho. 
No Campomaiorense jogava em qualquer posição se fosse necessário: defesa lateral, extremo esquerdo; mas, habitualmente, ocupava o lugar de médio esquerdo. Por duas vezes, subiu com o Campomaiorense de divisão. Foi sempre da primeira equipa, embora o clube tivesse uma equipa de reservas que disputava o seu próprio campeonato. 
Entre as boas recordações, lembra a vitória obtida no Algarve, contra o Boa Esperança, em que ganharam por 3-2 depois de terem estado a perder por 2-0. Aí, ele meteu um golo, o Nanita outro e o Mudo marcou o terceiro. Este Mudo é o jogador que, sendo surdo-mudo de nascença, conseguiu ser expulso de um jogo por graves ofensas verbais a um árbitro. As subidas de divisão foram grandes alegrias. Quando jogavam na segunda divisão, aí, as viagens tornavam-se muito mais longas. Alugava-se um autocarro ao Vasco da Conceição Paínho de Elvas e punham-se de jornada. Para ir ao Algarve, à Covilhã ou a Castelo Branco, as viagens duravam um dia: tinham de partir no sábado, para jogar no domingo e voltavam na segunda-feira. As estradas não eram famosas e os autocarros pesados e lentos, demoravam a lá chegar. 
Totalmente amadores, de dinheiro nem se falava. Lembra-se que, excepcionalmente, receberam como prémio de jogo 40$00 quando ganharam por 3-2 ao Boa Esperança.
Seco de carnes e rijo de vontade, teve a sorte de nunca conhecer lesões. Para os pequenos toques, recorriam aos serviços do que se improvisava como massagista. Recorda que, de médico que acompanhasse as equipas, nem se pensava. Refere de passagem que hoje é um mimo. Vem-lhe à memória o episódio do Zé da Cabeça que fracturou a clavícula num jogo em Castelo Branco e que teve de receber assistência no hospital desta cidade.
Conheceu como dirigentes do clube o Edmundo Leitão, o Marciano Cipriano, o Zé Lavadinho.
Se fossem hoje todos vivos e jovens formaria como equipa ideal para o Campomaiorense: à baliza, o João da França; à defesa, o Joaquim da França, o Zé da Cabeça e o Justo Valente; na linha média, o Ferrinhos e o João Corado; na linha avançada, o Freguesia, o Chico da Arvéola, o Fernando Pardal, o Nanita, o João Carapinha. Era uma boa linha avançada. Alguns deles poderiam hoje jogar em clubes da primeira divisão.
Mantém-se adepto ferrenho do Campomaiorense. Assiste a todos os jogos em casa e alguns fora, quando pode. É sócio, com quotas pagas e, no estádio, compra bilhete para assistir aos jogos na bancada nova a que chama o “Tolan”. Apesar de tantos anos a jogar pelo Campomaiorense, não usufrui de qualquer benefício, nem de lugar reservado. Por sorte, sendo reformado, paga apenas 500$00 pelo bilhete de entrada nos jogos. Claro que apreciaria se lhe fosse dada qualquer consideração como antigo atleta do clube. Gostou da homenagem que lhe prestaram enquanto sócio de trinta anos, aquando do sexagésimo aniversário do clube, em que lhe entregaram um leão de ouro. De resto, mais nada.
Segue os campeonatos nacionais de futebol de Portugal e Espanha pela televisão. Vibra mais quando joga o Sporting porque, por afecto, é leão. Observa com atenção os actuais esquemas de jogo e o grau de especialização adquirido pelos jogadores. Lembra que no tempo dele os avançados recuavam para ajudar a linha média ou a defesa quando era necessário. Considera que actualmente há jogadores muito bons a fazerem o lugar de médios que foi aquele em que jogou mais vezes.

(Segundo entrevista gravada no Jardim de Campo Maior em 16 de Agosto de 1999)

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