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Opinião: O PASTOREIO NA ANTIGA ECONOMIA CAMPOMAIORENSE, por Francisco Galego

Casal de pastores. Foto: alentejoterraegente.blogspot.com

Tanto como a cultura dos cereais, principalmente do trigo, o pastoreio era importantíssimo neste concelho, como actividade complementar da sua economia agrária, pois o gado, principalmente o ovino, aproveitava o que ficava como restolho depois das ceifas e os pastos que cresciam nas terras em pousio.
Mas, tendo Campo Maior um território muito pequeno, a sobrecarga da actividade pastoril durante o tempo que decorria entre a sementeira e a colheita das searas, os pastores tinham mesmo que ir procurar pastagens noutras terras, a dezoito e vinte léguas de distância. Deslocavam-se com os seus rebanhos para as terras a norte de Portalegre, nomeadamente os pastos de Niza, todos os anos, entre o começo de Outubro e o final do mês de Março.
Os documentos referem também que da Beira vinham muitos pastores para exercerem a sua actividade em Campo Maior. Vinham na expectativa de que aqui pudessem fazer fortuna, pensando poderem ir adquirindo gado próprio e, um dia, virem a tornarem-se autênticos lavradores, sonho que alguns deles conseguiam tornar realidade.
A existência do livre pastoreio nas terras do termo de Campo Maior, parece não ter levantado problemas até meados do século XVIII. O uso comunitário das pastagens estendia-se a todo o seu território. Não encontramos aqui, como noutros concelhos, documentos que façam qualquer alusão ao hábito de leiloar as pastagens.
Numa notícia de 1758, estava claramente explicitado que o termo de Campo Maior “é todo baldio por conta dos gados”. Mas, por essa altura, começaram a surgir contestações a este regime de pastoreio livre. Uma petição enviada à Corte Suprema em 1755 manifesta a hostilidade dos proprietários das terras à livre utilização dos pastos. 
A tradição da livre pastagem nas terras baldias era costume tão arreigado que as gentes de Campo Maior não possuíam sequer uma reserva comum para os bois. Por isso, desde o começo do século XVII, foi adoptada uma solução que consistia em que cada cultivador deixasse em defeso uma parte da terra que explorava e a que se chamava o remendo. Esta parte era delimitada nos alqueives, por um rego de charrua e era reservada para alimento dos seus animais. Todos os anos tinham de requerer ao juiz de fora, entre 1 de Novembro e 31 de Janeiro, a autorização para traçar oremendo. Estas porções ficavam isentas do dever de livre pastagem, desde o momento que a autorização era concedida, até 31 de Maio.
Esta solução era original, mas, no fundo, só interessava aos lavradores que podiam dispor da terra em regime de permanência. Para os seareiros, classe muito numerosa em Campo Maior, que trabalhavam courelas em regime de arrendamento, ficava apenas a possibilidade de recorrerem às terras comunais reservadas para este efeito. A maior parte da produção de trigo no concelho era garantida pela actividade destes seareiros. Mas, também eles tinham na criação de gado um complemento para compensar os escassos ganhos que obtinham na agricultura nos anos em que era fraca a colheita dos cereais. A estes convinha manter a situação de livre acesso às pastagens segundo a tradição do concelho.
Contudo, a maior parte do território estava dividida em herdades arrendadas aos lavradores e, muitas delas, eram destinadas apenas ao pastoreio de gado ovino. Aos seus exploradores convinha a reserva do direito de pastagens. Por isso lutavam contra o direito de livre pastoreio.
Quando uma provisão de 1788 aboliu o pastoreio livre no termo de Campo Maior, contrariando o que era uma antiga tradição neste concelho, houve uma forte resistência à decisão que passava a permitir que as herdades pudessem ser coutadas e vedadas à livre utilização pelos rebanhos. A população queixava-se de que, em consequência da decisão de 1788, cerca de centena e meia de herdades estavam ao abandono, servindo apenas para apascentar os gados dos proprietários. Daqui resultavam grandes prejuízos em termos de produção e graves problemas sociais porque o pastoreio, exigindo muito menos mão-de-obra do que o cultivo dos campos, lançava na miséria os trabalhadores que, em desespero, recorriam à mendicidade e ao roubo para garantirem a sua magra subsistência. O crescente absentismo dos grandes lavradores foi apontado como o principal factor da crise generalizada que se viveu em todo o Alentejo, em finais do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX.
O pastoreio em grande escala, praticado pelos lavradores nessas herdades, favoreceu a acumulação de vultuosos capitais e o desenvolvimento do grande capitalismo agrário nesta região do Alentejo.

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